quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Pestanejar

Aqui, nessa praia deserta,
Fico te observando à distância.
Com o súbito grito abafado,
E o silêncio perdurado no fajuto tempo.

A afetuosidade de seus vistosos cabelos
Flutuam no lastimoso vento,
E seu perfume mistura-se com a brisa,
Fazendo com que minhas estrelas
Pairam sobre o mar de ilusões.

As pétalas dos lírios
São levadas para o turvo
Luar eqüidistante,
E o cheiro do seu corpo
Impregna nos meus lábios,
Levando-me a insônia
De um poeta compulsivo.

Sentado nesse dúbio deserto vermelho
Fico a espreitar seu sorriso de perto,
Sentir seu olhar me despir de inverdades,
Acelerando o meu fraco coração,
Após debruçar-me em suas cálidas mãos
Que acaricia os pêlos do meu rosto senil,
Levando-a ao arrepio
Ocasionado por um punhado de espinhos
Que estão prontos para defender seu fiel dono.

Recua-se passos para trás,
E em breves minutos
Tornam-se uma acelerada corrida
Sobre a rua desnudada e solitária.

Assim, você segue fugindo
Com a cabeça sempre erguida.
Sem almejar um olhar para trás
Distancia do meu moroso abraço,
E das minhas gentis poesias.

Pablo Silva

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Afago

A palavra destrói o amor,
E o minuto que antecede o beijo,
Coloca nossos lábios num abismo
Sem fim...

Nossos lábios tornam-se esbranquiçados
Pelo efeito da secura do beijo
Que não aconteceu.

A chuva molha nossos semblantes
Misturando-se às lágrimas da saudade,
E da mágoa que nos persegue
Pelo martírio moroso.

A vigorosa lua é o nosso horizonte,
E o crepúsculo é o nosso amor
Que não pode acontecer
Pela audácia de um espinho
Que insiste em nos ferir.

Pablo Silva

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Entre faces da opinião pública, do jornalismo e a política

O jornalismo nasce no bojo da opinião pública com o propósito de “lutar” para que prevaleçam as questões sociais, e os direitos civis, mediante a nomeação de portadores da opinião pública. Mas, essa fatídica nomenclatura não passa de um equivoco. Nós, jornalistas diplomados, somos trabalhadores da opinião pública, e não temos a sutileza, muita das vezes, ao nos autodenominarmos como “portadores de tal investidura”. Pura arrogância de pseudo-intelectuais.
O universo da opinião pública, nada mais é que a representação do compromisso com a verdade, com a razão, com a liberdade, e como principio que rege o poder público. Todavia, não é isso que deparamos no seio dos parlamentares. Os representantes da opinião (vontade) pública são os primeiros a negarem essa função, e fazem de suas ínfimas idéias, uma incontestável vontade geral.
Essa ostensiva marca política, norteia o desproposito, e o descrédito que é a política pós-contemporânea. Ao se tratar de assuntos mobilizadores, a política não se apresenta como vontade geral, mas predomina os interesses particulares que regem toda a economia ilegítima para a sociedade. Os indivíduos (sociedade) são colocados em terceiro plano, e suas necessidades, expectativas e anseios, em última análise, portanto, a esfera pública fica refém da supremacia dos interesses privados. Particularmente, a concentração midiática nas mãos de famílias conservadoras propõe uma alienação de conteúdos midiáticos, tornando-se uma indústria da informação. Percebe-se que as elites econômicas e políticas exercem influência majoritária sobre os meios de comunicação. Nesse cenário, a mídia exerce influência direta sobre os processos eleitorais, determinando o destino das eleições, mediante os critérios de omissão e manipulação dos fatos.
A política, quase nunca estável e inequívoca, caminha em estradas errôneas, juntamente com a ambígua opinião pública, evidenciada pelos estatutos de emanação da sociedade civil e autônoma face ao Estado, e o estatuto de verdadeiro órgão político, que corresponde uma orientação para a opinião pública. Neste contexto, “a opinião pública, enquanto força racional, capaz de exercer uma pressão sobre os indivíduos, exige, para se caracterizar como instância julgadora, um processo de esclarecimento, um processo de formação do público, precisa tomar o lugar d preconceito, que nada mais é do que a perpetuação do erro como verdade” (Meira do Nascimento, pag. 40).
No jornalismo, através da massificação social, os veículos de comunicação tornaram-se poderosa arma, capaz de criar meticulosos mecanismos influenciadores. Com isso, a mídia inseriu-se no patamar de formadores de opinião, pautando a sociedade para discutir temas “relevantes”, com propósito de chegar a uma opinião universal. No entanto, a abstenção da grade televisiva, ou seja, à transmissão contínua, integral, permanente, da programação das emissoras provoca uma segmentação de pensamentos, levando a sociedade terem somente leituras sensoriais e emocionais do quotidiano.
Hallin afirma que “por mais poderosos que os mídias se tenham tornados, eles têm de manter alguma reminiscência de diálogo com o público, o que significa que, apesar de tudo, existe sempre algum grau de abertura, uma dupla dimensão no processo de comunicação – quando surge o desafio de aos limites do discurso político [normalizado] por parte de público activo, os media não pode ignorá-lo, sob pena de porem em perigo a sua própria legitimidade” (Hallin, 1995, p. 143).

Conseqüentemente, os porta-vozes oficiais têm um papel fundamental para a sociedade, o de coibir o raciocínio da ordem social, e de alavancar suas próprias crenças e raciocínio. O problema que se cria com essa mazela midiática, é que esses líderes estão veiculando informações manipuladas em prol de seus próprios interesses, e que não são coletivos. Assim sendo, hoje em dia, temos grandes e difíceis obstáculos para contornarmos esse processo maléfico, pois se a opinião pública estiver sempre a mercê de interesses provindos das elites políticas e econômicas, a democracia como garantidora de soberania popular perde seu lugar para um governo medíocre e autoritarista.
Como dizia Monique Augraus “a opinião pública é, declaradamente, uma alavanca na mão do demagogo. Daí em diante aparecerá um duplo aspecto: expressão genuína da vontade do povo e meio de manipulação desse povo”.

Pablo Silva

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Biografia de um poeta de araque

Meu ferrenho dia começa as quatro da alvorada. Levanto nocauteado pelo sono, e com os olhos grudados pela sensibilidade da frenética luz contemporânea. Após lavar o rosto, começo higienizar meus dentes amarelados pelo gosto presente do cigarro. Em diante, lanço aos passos nas ruas desabitadas, com a presença da vigorosa lua, e de alguns bêbados pela estrada. Caminho entre jardins pomposos, e pela desvairada noite que me acalenta durante breves minutos.
Alto ali do sétimo andar, via uma luz desperdiçada de manhã. Uma ninfeta andava apenas de calçinha pelos corredores escuros de um apartamento esquecido. Interrompi meu compassivo trajeto, e procurei os olhos daquela guria no meio da tenebrosa madrugada fria. Nada achei. Daí então, continuei minha andança por dúbios caminhos, imaginando novos cenários pela frente. Deparei-me com pétalas que pairavam pelo céu, e apontava um nascer do sol deslumbrante. As ruas despidas começam a ficar pequenas, e mais um dia surge ao acaso, e minha rotina estava a me esperar por mais um dia de trabalho.
Logo intuo uma demasiada ânsia ao ver a ruiva dos meus devaneios. Ela vem descendo o jardim das magnólias, pestanejando seus vistosos cabelos, cobrindo parte de seu pálido semblante juvenil. As palavras sussurravam em meus ouvidos, querendo por tudo ser marcada num papel sombreado de medo e angústia. Não me rendi, pois aquele sentimento esquizofrênico não merecia ser lembrando em meu diário esquecido. As mãos trêmulas mal conseguiam escrever as solicitações de alguns clientes. A voz ecoa com o timbre de insegurança, e com a audácia de um operador de telemarketing, que era amparado pelo aconchego dos muros que cerceavam seu corpo.
Os braços, naquele dia foram desamparados. Os olhares ficaram no vácuo. Os lábios permaneceram esbranquiçados pela secura do beijo que não aconteceu. Minhas rosas murcharam, e as poesias retiraram seu encanto do pergaminho. A única coisa perceptível naquele instante era meu semblante moribundo, que entregava minha decepção platônica. Ansiava por um cigarro, acompanhado de uma xícara de café açucarado. Só assim desvelaria a missiva do meu subconsciente. No entanto, optei por seguir minha maldita intuição, que me levaria mais uma vez ao transtorno.
Continuei minha manhã cerceada por dúvidas, e por lembranças que não tinham acontecido em minha vida real. Decidi então adentrar no meu mundo ilusório, pois somente assim, teria as palavras em minhas mãos para serem escritas da maneira apropriada. O sabor do êxtase percorria em minhas turvas veias, contendo meus anseios e desvendando os próximos passos daquela vida solitária.
“Só há uma chance para viver”. Era o que eu sempre ouvia das pessoas comuns. Por isso não quis desperdiçar meu quotidiano por amores banais. Conseqüentemente, o medo se esvai por não saber viver, e por residir emaranhado na dor sem hesitar. Olho para céu e vejo um vazio no meu estômago. A gastrite almeja cigarros e cafeína. Mas a única coisa que me preencheu, foi à poesia azucrinante e audaciosa. Passei uma manhã de tormentos. Não queria me render, mas acabei me entregando a aquelas palavras inusitada, sobre o nascer de um sol impiedoso, e perspicaz.
Quando acordei daquele delírio febril, percebi que era tarde demais, pois minha suposta amada já tinha embarcado no ônibus da saudade. Sendo assim, decidi antecipar minha carga horária, e segui desbravando a Rua 90. Meu objetivo naquele momento era de estacionar-me em uma praça mais próxima possível. Ancorei-me então na Praça do Cruzeiro, e comecei a retirar um cigarro do meu velho maço. Acionei a combustão do meu fiel isqueiro, e comecei a fumar todos aqueles acontecimentos surreais.
Os dias correm e somem, e com toda certeza não vão voltar. Por isso, sempre acreditei que um dia saberia a verdade da minha vida. Sei que minha vida foi escrita em algum livro desconhecido, e que um dia teria todas as perguntas para minhas dúbias respostas.
Nesse momento estou sentado no meio-fio de uma rua solitária, acompanhado pela ilustríssima presença de um velho barreiro, e de um punhado de cigarros amassados pelo bolso do jeans. Lembrei-me esporadicamente do meu primeiro amor de primavera. Era um amor inocente, e uma paixão passageira de festa junina. O sentimento misturava-se com a insegurança e com o gosto amargo do desprezo. Mas para todos os efeitos, me decompunha em cartas românticas do século XVIII. Fui incompreendido por certas pessoas, e admirado por tantas outras. Desde cedo tive a companhia inseparável das palavras. Era meu alento, e a minha perdição.
Sempre desejei veementemente ter nascido em séculos passados. Neste século da aparência, em qual vivemos, as pessoas tornaram-se insensatas, medíocres e obscenas. Queria mesmo era sentir o gosto do linguajar senil, e residir emaranhado nos espinhos de uma rosa ingrata e fugaz. No entanto, venho gradativamente me habituando ao meu mundo ilusório. Um mundo que perpassa descendências. E que é acostumado à serena solidão de um poeta de araque.
Para os não me conhecem, sou jornalista por profissão, e escritor por paixão. Nasci através de uma experiência do acaso, e desde então, professo pelos caminhos tortos de uma vida bucólica. O destino, um senhor de bengala, ordenou aos meus pais que eu deveria chamar “Pablo”. Esse esporádico nome surgiu através das escrituras de um livro sujo e desconhecido. Quando criança, tinha sempre em meu bolso um sonho para contar. Estava à frente do tempo e do vento. Sempre estive desacompanhado. Meus pais saiam antes da alvorada, e quando voltavam me encontrava apegado ao sono, acompanhado por meu leal travesseiro.
Nunca descobri a importância de viver. Mas sempre soube que esse mundo se decompunha aos olhos da ambição, e do consumismo exacerbado. Senti de perto os desníveis sociais, a pobreza e a ausência de uma educação digna. Com isso, me aliei à luta do comunismo, para criação de um mundo melhor, e para que todos nós possamos ter a decência de uma vida de operário. A angústia sempre teve vez em minha melancólica vida. Sempre estive atrelado ao inconformismo, e ao sentimentalismo que permeia na trilha do meu destino. Se hoje falo de amor, é por que há tempos vivo na complexidade do medo e da amargura.
Quando me despertei daquele profundo pensamento longínquo, o relógio mudo apontava os deslumbramentos às uma e quarenta da madrugada. Levantei daquele meio-fio ingrato e desconfortável, sacudi a poeira do meu surrado jeans, e segui o caminho do lastimoso vento. As luzes das vitrines deletérias mostravam que meus passos estavam na avenida central. E as nuvens que pairavam no céu furibundo, teimavam em derramar sua chuva sobre os passos de um poeta esquecido e sisudo, para esconder as lágrimas que manchavam seu rosto padecido. A idade já não fazia parte do meu corpo, circunstancialmente envelhecia somente a alma e os pensamentos pecaminosos. Vou levando assim, entre a velhice e a juventude, mais perto da fragilizada velhice.
Meu espírito revolve todos os meus cuidados e recorda meus terríveis medos de inverno. Vivo assim, entre cravos e espinhos. Entre o silêncio e as palavras ancoradas num papel amarelado pelo tempo penitenciado. No entanto, de forma catastrófica sigo desvelando minhas ínfimas poesias, ludibriando a estupidez do meu destino infeliz, para não voltar aos devaneios decorrentes do ano de 2006. Pois foi quando descobri o amor e a perdição de viver emaranhado nos vistosos lábios de algodão. Foi quando descobri a loucura da paixão, e a dor da ilusão. Fiquei estarrecido e apócrifo. A única coisa viável a se fazer naquele momento era me render ao inconformismo, e travar guerras dentro do meu dilacerado coração. Tinha que me recompor, e transformar aquela situação em uma infindável lira poética.
Os anos decorrentes passaram como um piscar de pálpebras. Amores platônicos surgiram em meu jardim, como pétalas lançadas aos ventos em prerrogativa da felicidade que não chegava à minha janela. Nunca imaginei que minhas turvas rosas iriam murchar, mas quando a realidade chega, ela não pede licença para entrar, simplesmente invade nosso corpo, e leva-nos para a tristeza morosa. Foi assim que eu não sobrevivi ao temporal.
Enquanto o frio assume meu corpo, eu não aprendi a tradução da saudade. Não aprendi a me render sem sequer tentar lutar. Pois quando criança meu pai sempre cochichava em meus ouvidos, dizendo que “nunca se vence uma guerra lutando sozinho”. Que caia o inimigo então. Ou melhor, que o amor exilado em meu peito seja esquartejado pela vontade de viver solitário. Já não suporto a inconstância desse nevoeiro, isso me provoca náuseas, e não posso ficar nessa situação por mais tempo, pois nosso plano era de ficarmos bem.
Quando o sol ainda não havia cessado o seu brilho, quando a noite engolia aos poucos o avermelhado do crepúsculo, você veio se sentar ao meu lado feito um mavioso sabiá receado. Esmiuçou meu semblante senil com a delicadeza de suas mãos. Inquiriu meus vistosos lábios com a voracidade de um desejo sem fim. Mas , quando absorveu minha ultima gota de seiva, jogou-me na madruga feito uma rosa murcha sem serventia para os seus dias subseqüentes.
Nívea, era o nome da minha primeira rosa azul-turquesa. Eram os vistosos lábios de uma guria diáfana, que sempre usava do maledicente para se esconder atrás do voraz mundo contemporâneo. Esse nome era a designação dos raios infindos do crepúsculo, era a primeira estrela do dia, e a vigorosa lua do martírio.
Fecho os olhos na esperança de te ver. Transporto-me para sua estrada para caminhar ao seu lado, mas sua fragilidade não deixa você me sentir tão perto. Elevo meus pensamentos até aos seus sonhos, no entanto, seu orgulho fútil faz com que eu vá embora para o recanto das magnólias esquecidas. Escuto um timbre rouquenho pronunciando a palavra “Anjo”, era assim que ela me chamada.

Continua...

Pablo Silva

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A Rosa

No inverno moroso,
As pétalas da rosa

São arrancadas
Sem a misericórdia
Do vento taciturno.

Junto com a exuberante magnitude
Do avermelhado desbotado,
Abrange os espinhos moribundos
De uma rosa campestre,
Que ferem os dedos imaculados.

Um arranjo de sabedoria
Enfeita uma sala inabitada.
Em que os devaneios
São impelidos
Pela palidez da névoa voraz,
Que assombra a janela
Da minha alma.

Vou espreitar o turvo luar,
Para que na velada noite,
Possa desabrochar
A formosura de seus lábios
Entornados de doçura esmaecida.

E aí...

Vais ver-me esbravejar
Sublimes poesias,
Para que as torrentes dos rios
Não te leva ao mar morto,
E que o aroma de seu corpo
Seja ancorado
Na dolência dos meus pensamentos.

Pablo Silva

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Saudade

A saudade paira no pôr-do-sol

E adentra no meu debilitado peito,

Sem ter ninguém para enxugar

Minhas turvas lágrimas,

Nem sequer para dar-me

Um estreito abraço.


Desnorteado por meu destino,

Vago nos pensamentos desamparados,

Afogando em dúbios sentimentos

A tristeza morosa.


Saudade é a única certeza

De que eu vivo

Pelos cantos e becos,

Amargurando no passado

Minha felicidade efêmera.


Meus braços foram abandonados,

E a alegria recolheu a mão

Para não alcançar-me,

Gracejando de meu semblante,

Fazendo da minha vida

Uma eterna lastima

Por viver emaranhado nos espinhos.


Sozinho,

Lanço-me em passos

Na areia do mar,

Deixando as ondas

Me levar,

Para o anoitecer

De um sonhar.

Pablo Silva

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Vida ao Vivo


O que era para ser uma noite tranqüila, e corriqueira tornou-se algo estranho e indefensável. Foi assim que começou minha terça-feira, um feriado sem nexo, cessado no tempo para que as pessoas caminhem lado a lado com o tédio e o medo. Os ponteiros do relógio mudo mostram seis da tarde, e os sinos da catedral não ousam se mover. Tudo está adormecido, feito o crepúsculo enfadonho.

Nesse dia, o vento taciturno, levava a narcose para os corpos pálidos. Ao caminhar no meio das estatuetas da Praça Cívica, acendo um cigarro e espero o efeito acontecer. Meus brandos passos fazem com que me perco pelas vielas de um maldito atalho, e o silêncio esconde o abismo sobre meus pés.

Meu desleal copo já se encontra vazio. Procuro nos cantos e becos, um boteco, que faça preencher a lacuna da minha obsessão por um velho barreiro. Meus olhos pardacentos nada enxergam. A solução, é continuar com o cigarro sempre impetuoso, ao menos, tenho que contentar-me com essa deplorável nicotina. Os esbranquiçados de meus olhos fogem, e dão lugar à vermelhidão da arrogante insônia, resultado de extrapoladas noites voluptuosas.

Meu fascínio por dias comuns levou-me ao transtorno do excêntrico. A cidade encontra-se inabitada pelos sonhos, e a única coisa perceptível são as pessoas paralisadas à espera dos holofotes, e das câmeras serem ligadas para a gravação da vida ao vivo. O repugnante reality show dá o ar da graça na miserável televisão brasileira. O inevitável se rebelou e partiu ao meu encontro, para fazer da minha lúgubre vida um palco com milhões de espectadores, todos alienados pela inusitada estória de um lírico poeta em tempos contemporâneos.

Aflora no meu peito uma demasiada ânsia, ao ver-me cercado pela imbecilidade de seres espúrios, que riem e choram mediante ao patético roteiro em branco. Não consigo entender esse deturpado interesse por transmitir minhas idéias, minhas intimas poesias, meus vícios, e meus atributos a todos os habitantes desse humilde país de bastardos.

A insensatez tramita nos acontecimentos, e já não consigo sobreviver sabendo que sou o intérprete protagonista dessa peça, onde o que prevalece é a futilidade, e a desmoralização da imagem alheia. Meu desejo era de isolar-me no conspurcado mundo, como eu fazia todos os decorrentes dias pavorosos daquela vida ultrapassada, pois agora, o único episódio que subverteu era as cenas gritantes do meu quotidiano que perambulavam na TV execrável.

Cansado por viver solenemente, me afugentei nas ruas despidas para vangloriar o nascimento das borboletas, e o acordarem das magnólias, mas repentinamente meus olhos avistam uma imagem perfeita, uma bela Alice, que estava atordoada por me ver caminhando em estradas errôneas, por ver milhões de anônimos palpitando no meu destino, escolhendo minha trilha sonora e meus exorbitantes cenários prosaicos. Assim, em dúbias palavras ela descreveu minuciosamente minha vida ao vivo, e junto aos seus clandestinos pensamentos, resolve juntar-se a mim nessas vastidões de espinhos e cravos.

Sentados nos desgastados bancos da Praça Universitária, enrolamos uma cigarrilha e dividimos meio copo de um velho whisky, e juntos mediamos às escrituras do meu inacabado diário, promovendo nuas cadeias de promessas, interrompendo o tempo e o compassivo vento. As horas passam como um relampejo, e quando nos damos conta, os ponteiros estão assimetricamente no mesmo espaço, marcando meia noite de deslumbramentos. Adormecemos ali mesmo, encolhidos num banco de cimento em meio ao frio perspicaz e duradouro. Num breve instante, surgem os primeiros raios solares em meio aos prédios imperialistas.

Alice despertou com o rosto todo amarrotado, e o cabelo emaranhado por destreza, porém, nem por isso, deixou um momento sequer de ser linda e afetuosa. Por um conciso momento nossa barriga dá o alarme do meio dia, estávamos totalmente esfomeados, e o melhor a se fazer era procurar um restaurante mais próximo possível. Depois da plausível digestão, continuamos desnorteados pelas ruas centrais, tentando sempre fugir dos malditos câmeras que sempre registravam nossos frenéticos passos. Após longas horas debaixo de um sol febril, as lembranças tornam-se imagens vagas, tudo fica difuso quando tento lembrar os grandes momentos de êxtase. O prazer se esvai da memória, e a penosa realidade dá lugar ao receio da perda. Afinal de contas, esse desprezível reality show trouxe um raio de luz para minha tenebrosa vida, no entanto, o destino sempre teima em exalar minha felicidade, e a insegurança me persegue pelos estreitos nebulosos. O provável era desvirtuar essa sádica condição, e fazer do sentimento uma razão para se perder no abismo, que é viver.

Encontrei-me com o semblante amargo, e o marear dos olhos é inundados por lágrimas e sal, dando plantão nos problemas, e nas malditas idéias fixas. Minhas expressões condenavam-me, e era notório meu ar de cepticismo. Alice logo percebeu que eu estava moribundo, e conduziram suas generosas palavras, cantarolando em meu ouvido: “Não importa o que acontecer. Eu vou estar sempre com você.” Em seguida, seu fraterno abraço me cingiu para perto de seu ardente corpo, afagando meus vistosos lábios com seus dedos medianos, que percorriam toda minha face pálida. O beijo enleia nossos lábios sobre a luz da vigora lua, e ao som de um mavioso violino, que nos embalava em eternas carícias. O tempo gracejou com as estrelas que estavam todas no chão em formato de poesia, e o brilho ofuscante refletia no sorriso irradiante de Alice, desfiando sublimes cenas inolvidáveis.

Esse momento tão especial foi visto e revisto por milhões de fulanos incrédulos, todos vidrados nas lentas cenas de um beijo, que despertavam a inveja, e desejos proibidos em seus pensamentos insanos. O bizarro disso tudo, era ver nossos semblantes juntos nas vitrines, acompanhar o desenrolar de um enredo ao qual eu não gostaria de pertencer, pois a diplomacia da nossa imagem era fumegante e voraz.

Sentados sobre as nuvens do fulgente céu, Alice fez-me prometer guardar seu sorriso no dúbio labirinto, para que ele não se esvai da sua delicada face, e que suas virtudes não caíam em areia movediça, equiparando-se o entardecer de um contraditório olhar sereno. Por dentro da fantasmagórica torrente, percebo a alienação dos meus pensamentos indo a encontro de uma mulher diáfana, que permeia minhas ideologias no quotidiano esquizofrênico, levando-me ao delírio da banalidade surreal.

Será que tudo isso é uma ilusão? Talvez, criação do meu execrado subconsciente? As perguntas ficam à espera por respostas convincentes, todavia, as palavras cessam no tardio inverno taciturno.

Os pensamentos deixam vestígios na minha serena face, e junto aos meus cravados passos, surgem pegadas de perseguição que retarda minha lúgubre existência.

O gosto atroz do cigarro amargura minha essência, como se minha descendência vivesse a espera do pincelar de palavras, para que suas rotinas sejam vigoradas num singelo farrapo de sonhos. Adiante, desperto do meu profundo delírio, e percebo-me conjeturado na cultura de drogas efêmeras, que torna minha vida igualitária a um ditador de devaneios.

A cultura da aparência descartável ofusca nos meus olhos enfastiados, e percebo-me envolvido nos dias quotidianos de uma sociedade desprovida de sentimentalismo. Logo, intuo que minha decepção seria desvendar a veracidade da previsão dos meus devaneios. Meus delírios previram que meus passos seriam abandonados, e que o abraço seria desentrelaçado, mas, não importei com aquelas imagens ludibriadas, e caí em meio ao alvoroçado apego da paixão avassalante.

“Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio.” Enfim, desordenei minha obsessão pelo perfeccionismo, acorrentei minha consciência, para que ela não me julgue nas noites de insônia, e para que os lençóis jazam no amarrotar de dois corpos atrelados no acaso.

O vento lastimoso induz as pétalas das magnólias, conduzindo também Alice para as vastidões de inverossimilhança junto com as flores de um deserto vermelho.

Meu cômico destino é um velho ranzinza, que anda ao meu lado apoiado em uma bengala, curvado pelas fortes dores na sua desgastada coluna vertebral, de tanto me perseguir pelos meus estreitos nebulosos juntamente com Alice. Os dois tramam meus próximos passos, e escolhem também os novos personagens que iram fazer parte do meu dúbio quotidiano. Os olhos doces de Alice cederam lugar ao temível desagravo, e junto com meu infeliz destino escreveram entre linhas tortas meu súbito final irrestrito.

Naquele derradeiro dia da minha vida, lembro vagamente a expressão de felicidade de papel cumprido da Alice. Finalmente ela tinha desempenhado o acordo feito por uma cúpula, que fora criado simplesmente para a retaliação das minhas ideologias e de meus farrapos sonhos.

As imagens na TV mostravam somente um fato consumado, o da minha derrota. Tudo caminhou de acordo ao roteiro, inclusive Alice, uma mera personagem enfastiada nesse desgraçado reality show. Onde tudo fazia parte de uma mesquinha novelinha das oito, misturada com ingredientes reais, neste caso, o prato principal a ser devorado era eu. Fui escolhido em meio à multidão para ter a vida retratada num canal de TV aberta. Simplesmente servi de descontração em meio à monotonia que é a vida dos amargurados brasileiros.

Meu fim estava próximo. Tudo foi minuciosamente esquematizado para denegrir meu desconhecido nome, e para tripudiar minha ingenuidade. Quando me dei conta dos acontecimentos, percebi que tudo que tinha vivido não passava de uma utopia.

A desordem caminhou de mãos dadas com a morte em minha direção, prontas para dar o súbito aviso de término de uma sublime vida. Minhas trêmulas pernas não agüentaram o peso do meu debilitado corpo, e caí ajoelhado de frente para Alice, pronto para receber a verdade maléfica. Nesse dia, o crepúsculo não ousou por seus raios infindos no céu, e as estrelas fizeram questão de enegrecer a constelação, tudo isso foi à manifestação em reposta a retaliação do meu destino. As magnólias tornaram mandrágoras extremamente venenosas. O ar estava denso, e minha respiração tornou-se algo rarefeito e nefasto.

Naquele instante, subia uma vontade enlouquecedora de acender um cigarro, e de empurrar goela a baixo um velho barreiro, livrando minha garganta do nó que se formava, e para anestesiar meu corpo daquela circunstância hostil e desrespeitosa. Mas, o provável era tornar-me anônimo, e viver solenemente numa cabana no alto de uma montanha imêmore. Com isso, peguei meus atributos, e lancei-me nas costas. Segui desnorteado sem deixar olhares para trás, e sem deixar pegadas.

Ligeiramente os anos passaram, e tornaram-se décadas de inquietação. Meu semblante logo se tornou um arranjo de velhice ingrata, e o sereno coração teima em bater num corpo senil. No entanto, lamentavelmente continuo cercado pela amargura das lembranças, de ter em meus braços um amor que por instantes parecia ser verdadeiro. Bem dito, parecia.

No decorrer dos anos, as pessoas perceberam que minha vida esquizofrênica tinha perdido o sentido, e já não enaltecia minha imagem, onde o próximo passo era a odiosidade em cadeia nacional. Se ao menos eu pudesse flagelar meu conturbado passado, assim, escreveria sublimes poesias no límpido céu de devaneios, e, contudo, teria um derradeiro capítulo que poderia ser escrito por mim.

Engano meu, as palavras não queriam sentar-se naquele papel sujo e amassado. Portanto, tinha que contentar-me com a realidade, e afogar de vez em um copo de cólera.

Termino essa história, como quem termina uma vida. Pois no antro da morte, o que me resta é a companhia inseparável das palavras. Assim sendo, entre as murchas rosas e cravos, morrerei sorrindo à espera do recitar das minhas ínfimas poesias em uma boca lívida.

Pablo Silva

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Além da vida

Teu pálido semblante
Habita nos meus
Pensamentos levianos,
E leva-me pelos ares
Da madrugada fria.

Vôo nas nuvens
Que pairam
As magnólias murchas.
A procura dos teus
Vistosos lábios
Nas encostas
Da imensidão do abismo.

Perco-me na melancolia enclausurada,
E não vejo teu rosto tão de perto...

Esse teu sorriso espalhafatoso,
Transcede minha alma,
E me resgata das profundezas
Do tédio,
Desacorrentando-me
Da morte taciturna.

Nascendo em tua boca lívida
Meus versos formosos.
Almejando a vida
De dois corpos emaranhados
Pelos espinhos
Das rosas azuis-turquesas.

Pablo Silva

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Anjos nas Ruas

Sinto no meu debilitado
Peito a dor do desprezo.
Sinto os olhares impiedosos
Julgando os maltrapilhos.

A rua despida sem paz na solidão,
É o norte equidistante dos mendigos.
Carentes de devaneios,
Vagam pelo tempo que não passou,
Faz da hora uma cadeia de promessas
Que não se pode cumprir.

O crepúsculo é o panorama
Enfadonho de sua perambulação,
Perpetrando seus pés,
Carne viva latejante.

Semblantes melancólicos...
Imémores nas sarjetas do acaso,
Suplicando um pedaço de hóstia deteriorada.

O caos do pensamento,
Leva-os a caminhar enclausurado
Na vertiginosa chuva conspurcada,
Trazendo o pálido frio perspicaz,
E fraudando a fome
Com o silêncio no tempo perduro.


Pablo Silva